
Em entrevista exclusiva ao Pulso Latino, a rainha da black music brasileira fala sobre sua trajetória, legado, novo disco, racismo na indústria musical e a importância de se manter autêntica: “Eu sou preta, eu sou do soul, e não vou me diluir”.
Sandra de Sá: 45 anos de música, resistência e alma
Por Pulso Latino
Ícone da música negra brasileira, Sandra de Sá comemora, em 2025, 45 anos de uma carreira marcada por potência, verdade e muita alma. A artista, que iniciou sua trajetória no fim da década de 1970, prepara o lançamento de um novo álbum com inéditas e parcerias que prometem reafirmar seu lugar de destaque na música nacional. Em entrevista exclusiva ao Pulso Latino, Sandra revisita momentos marcantes da sua história, denuncia os obstáculos enfrentados por artistas negros no Brasil e compartilha suas visões sobre arte, política e espiritualidade.
“Eu nunca fiz música para vender. Sempre fiz música para viver”, dispara logo de início, com o mesmo tom firme e sincero que sempre a caracterizou. “A música me salvou, me formou, me fortaleceu. É meu escudo e minha espada.”
Nascida em Pilares, subúrbio do Rio de Janeiro, filha de uma passista e de um músico, Sandra Cristina Frederico de Sá cresceu mergulhada em samba, funk, soul, jazz e religiosidade. Foi nos bailes suburbanos e nos encontros de rua que ela construiu sua identidade musical.
“No começo, diziam que eu não era ‘vendável’. Uma mulher preta, gorda, de cabelo crespo, cantando soul e falando de amor com força? Incomodava muita gente. Mas eu segui. Não dava pra ser outra coisa”, relembra.
Aos 69 anos, ela se emociona ao lembrar da primeira vez em que ouviu sua música tocando no rádio. “Foi com Olhos Coloridos, nos anos 80. Eu chorei. Sabia que aquela música ia atravessar gerações. E atravessou.”
Sandra trabalha atualmente no álbum Alma de Raça, previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano. A produção reunirá canções inéditas, regravações e colaborações com nomes como Liniker, Djonga, Elza Soares (em gravações póstumas) e Luedji Luna.
“Esse disco é sobre mim, mas é sobre todos nós. É sobre a luta do povo preto, sobre a ancestralidade, sobre amar e resistir. Eu quis voltar ao groove, ao funk carioca original, à batida que vem do terreiro, do gueto e do coração”, explica.
Uma das faixas mais esperadas do disco se chama Filha de Xangô, homenagem à religiosidade afro-brasileira. “Ser de Xangô me ensinou a ter justiça e coragem. Eu não escondo minha fé. Já tentaram me apagar, mas não sabiam que a gente renasce no tambor”, afirma.
Sandra de Sá sempre foi uma voz ativa contra o racismo estrutural no Brasil, sobretudo dentro da indústria fonográfica. Para ela, ainda hoje artistas negros enfrentam boicotes, apagamentos e estigmas.
“Você vê artistas brancos pegando o som preto, suavizando, ‘popificando’ e ficando ricos. Enquanto isso, os verdadeiros criadores seguem à margem. Eu vejo isso há décadas. A diferença é que hoje a gente fala. E não vai parar de falar”, denuncia.
Questionada sobre como a indústria a tratou ao longo dos anos, ela é direta: “Tentaram me encaixotar. Diziam: ‘canta samba, disfarça o soul’. Mas eu nunca aceitei. Eu sou preta, eu sou do soul, e não vou me diluir.”
Com mais de 15 discos lançados, parcerias históricas com nomes como Tim Maia, Cazuza, Emicida, Elza Soares e Mart’nália, Sandra de Sá deixou um legado que transcende gêneros musicais. E é cada vez mais reverenciada por uma nova geração de artistas.
“Saber que minha música inspirou artistas como Majur, Linn da Quebrada, Tasha e Tracie… isso me emociona. Eu olho e penso: plantei direito. Não precisei me apagar pra ser lembrada.”
Ela também comenta o atual momento político e social do Brasil: “A gente vive tempos difíceis. Mas a arte tem que estar ali, cutucando. Não adianta ficar em cima do muro. Se a gente é artista, a gente tem que tomar lado.”
Casada com a compositora e poeta Simone Floresta, Sandra fala com entusiasmo sobre o amor e o direito de viver plenamente sua identidade. “Eu amo ser mulher, amo ser preta, amo ser lésbica, amo ser intensa. Demorei pra entender que podia amar sem medo. Hoje, eu amo alto.”
Sobre o futuro, ela afirma que não pensa em parar. “Enquanto eu tiver voz, eu canto. Enquanto tiver injustiça, eu denuncio. Enquanto tiver amor, eu componho. Eu sou ponte entre o passado e o futuro.”
Ao final da entrevista, quando perguntamos o que gostaria que as pessoas dissessem sobre ela daqui a cem anos, Sandra responde com o olhar firme e um sorriso largo:
“Quero que digam: ela foi de verdade. Não foi perfeita, mas foi inteira. Foi alma.”
Ouça a discografia completa de Sandra de Sá nas plataformas digitais e acompanhe as novidades do novo álbum Alma de Raça aqui no Pulso Latino.






